Bom, já está na hora de falarmos de um novo aprendizado no que diz
respeito ao ego e sua extinção. Já me referi, anteriormente, que o ego é indispensável
enquanto o usarmos. Mas quando é que ele deve ser erradicado? – Foi o que
Tiago disse. Eu tentei me lembrar das designações que estão descritas nos dez
artigos anteriores.
isto é um enigma? Deixe-me pensar. Baseado no fato de que as religiões
pregam o fim do ego como o fim primordial para se alcançar a iluminação
espiritual, ele só será erradicado quando for desnecessário para o espírito. Se
bem me lembro, existe uma citação de Buda de que o ego só seria completamente
extinto ao fim da vida...
Então ele me interrompeu. – No entanto, sabendo que o ego é uma
ferramenta de relacionamento entre todos os homens, a chance de que ele venha a
ser erradicado é quase zero.
A psicanálise considera o ego um mecanismo de controle, de equilíbrio.
Um mediador entre a consciência e o inconsciente. Dando ao ego uma aparência de
imprescindibilidade. Enquanto
estivermos vivos, estaremos tentando controlá-lo. Digo, tentando evitar que ele
se anarquize e, agindo através dos excessos emocionais, comande as nossas
ações, as nossa atitudes e pensamentos. – Parei por um instante, esperava
que Tiago completasse alguma falha, mas ele não se manifestou. – Contudo parece existir uma brecha, como
acabar com o ego quando ainda o necessitamos?
A esta brecha, existem duas situações, mas nenhuma delas dá conta de
uma extinção do ego. O ego é indestrutível! Alcançar o fim do ego é como correr
para uma meta e descobrir que, ao fim da jornada, ela era outra. Uma isca. Não
pense nisto agora pois é como descrever algo que nunca tenha experimentado.
Fiquei um pouco surpreso, depois
de tudo o que li, eu percebi o erro. –
Todos descrevem métodos e práticas para findar o apego ao ego, mas ninguém
realmente diz como é ser assim, sem ego. Os poucos que se arriscam em explicar
um ser sem-ego, não-eu, fazem-no por analogias com as sensações e palavras
disponíveis. Por isso usam tantas parábolas e exemplos relativos?!
Exatamente. Descrever o mel pode gerar uma infinidade de descrições, os
valores adquiridos pelos cinco sentidos, inclusive as percepções captadas por
um sexto sentido, valores modificados e criados pela consciência, mas, basta
experimentar o mel e todas as descrições se tornarão insuficientes. Assim como
a descrição de Deus, se poucos se preocupam em experimentar...
Mesmo em uma condição onde o ego pareça não existir, ele existirá?
Tiago sorriu em concordância. – Lembra-se da parábola da cidade fantasma?
Buda descreve que todo os ensinamentos são apenas uma isca para que, quando
estivermos prontos, realmente percebamos o caminho para a iluminação. A cidade
fantasma é apenas uma analogia para que não desistamos de atingir a iluminação
porque, à primeira vista, nos parece impossível ou incompreensível. Libertar-se
do ego é um engodo.
Então é impossível extinguir o ego?
Em termos, sim. – Tiago se pôs na defensiva. – Quando chegamos, depois de executar um infindável número de práticas
espirituais, às portas da iluminação, estaremos prontos para entender que
aquilo que chamamos de iluminação não passava de um chamariz. Porque sem estas
práticas, não é possível compreender o que os mestres querem dizer sobre a
iluminação, ou extinção do ego, ou a manifestação do não-eu, estado búdico.
Buda se refere a dois nirvanas nesta parábola da cidade fantasma, sendo a
própria cidade um recanto para o descanso dos peregrinos, portanto uma
iluminação parcial?! Entendeu?
O conceito sim, Depois que eu experimentar o que é iluminação, te direi
o que é. – confesso o meu sarcasmo. – Mas se não podemos eliminar o ego,
agora eu te pergunto: Porque todos teimam em pregar a anulação do ego?
Usou o verbo correto, anular.
Tornar-se nulo ou sem efeito; provocar total destruição de; perder a identidade
e; aquela de que mais gosto, obter
vitória sobre. Nunca foi uma questão de extirpar, mas sim se converter o
ego em algo novo, mudar a sua essência. A intenção de Buda, por exemplo, ao nos
falar sobre o não-eu com o objetivo de eliminarmos o sofrimento e a
impermanência já nos diz que o ego resiste, o que morre é a essência
conflituosa que torna o ego como ele é, quero dizer, anular o ego é
simplesmente tomar controle sobre ele. – se ele não encontrava palavras, por
sua vez eu estava entendendo assim mesmo. –
A fórmula padrão afirma que aquilo que é impermanente é dor ou sofrimento, e
aquilo que é impermanente, sofrimento e sujeito à mudança não pode ser
considerado como meu ou eu. Este é o princípio do não-eu.
Se o ego não é extinto, por que se fala em extinção?
Não há razões para se tentar extinguir uma inextinguível atividade do
espírito. Assim como não se pode remover quaisquer dos atributos que determinam
o que Deus é, ou que nós somos. Toda esta explicação sobre não-eu e anulação do
ego só esta nos confundindo. Pense que, ao mudar o ego, de suas ações
instintivas para conscientes, estaremos criando um ego invertido, um antiego.
Tive que me calar. – Um antiego seria?!
Um ego com atributos superiores, um não-eu, cuja função é eliminar
sistematicamente o que torna o ego desprezível. Inclusive aquelas
personalidades aparentemente saudáveis que, infelizmente, se baseiam em esquemas
de submissão ao medo. Um antiego é um ego destituído de personalidades
controladoras, tem uma visão de compaixão por saber que não há necessidade de
julgamentos...
Porque somos todos um. Um antiego pode exercer plenamente o
discernimento, mesmo sabendo que ele não fará uso dele. – não vejo razão
para que alguém que se considerasse o todo, precisasse fazer distinção. – Então, porque o ego não é extinto?
Porque é o meio pelo qual interagimos e criamos este mundo. O ego constrói
uma imagem deturpada porque ele interpreta o mundo conforme a sua reação aos
estímulos externos, e temos que considerar a ideia coletiva perpetuada pelos
homens. O antiego, um não-eu, desapegado das impressões oferecidas pelas ideias
coletivas, se baseia na certeza máxima de que Deus é perfeição, todas as coisas
levam a esta perfeição. Tudo aquilo que chamamos de mal passa inexoravelmente pelo
crivo da bondade dEle. Não pense que o alvo final da jornada humana é a
extinção do ego, mas sim a evolução do ego para parâmetros de autodomínio das
atividades emocionais. Até podemos chamar de extinção do ego, mas sem algum
resquício do que chamamos de ego, deixaremos de possuir individualidade.
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