Uma parte de mim aceita que entender o ego possa gerar incongruências e divergências, mas aceitar que haja verdade em uma ou outra designação constitui erro. Para entendermos o ego devemos aceitar inexoravelmente todas as opiniões, mesmo que elas sejam opostas e até heterogêneas. Existe uma verdade por trás de cada expressão.
Três cegos se aproximaram de um elefante. O primeiro, ao tocar seu rabo, passou a considerar o elefante como uma corda, o segundo, abraçado à perna, disse que o animal se parecia a uma árvore e, então, o último, pegando na orelha, pensou que era uma grande folha. Estudar o ego é assim, nos prendemos às particularidades, às partes, e deste modo passamos a considerar as partes o todo. Devemos pensar que o ego é constituido de todas as teorias, religiosas ou não, e mesmo assim não conheceríamos o todo do qual é constituido. É como definir Deus, que é a soma de tudo que já foi dito sobre Ele, e mesmo assim seriam incompletas. Mas nós sabemos que Deus é perfeição, e temos certeza que isto significa que o Seu alcance é justo, mesmo que, presos por ideias fragmentadas, acreditemos que Deus é rancoroso e injusto, que joga dados.
Como matar o ego... e viver em
psicose!
Publicado em: 17 de setembro de
2007, 12:40:50
É difícil adentrar em uma
discussão temática indefinida e, ao mesmo tempo, desfazer-se do ego. Grande
parte das discordâncias em espaços universalistas ocorrem desnecessariamente,
por significados pessoais diferentes para as mesmas palavras. Convenção por convenção,
a Voadores costuma valorizar a fundamentação acadêmica. Pelo menos aqui,
chamemos as coisas pelo que são:
Viver "sem ego" é um mito, no mal
sentido da palavra. Este conversa pseudoespiritual de "viver sem ego"
é um convite à psicose, e não à iluminação. Podemos matar o egoísmo, não o ego. Os delírios, e não a mente. A
neurose, não os neurônios. O individualismo, e não o indivíduo. A falta de
sentimento, e não a existência de pensamento. A indisciplina excessiva, e não a
saudável capacidade de questionar. O que nos afasta de Deus, não o que nos
sustenta aqui.
Vejo religiosos usando o termo
EGO ao seu bel prazer, quase como um coringa que pode valer como
"vaidade", "egoísmo malévolo", "personalidade
forte", "subversão às ordens de meu guru" e até mesmo
"capacidade de pensar". Tudo é "ego" para eles, menos os
vários conceitos sérios dele (que são vários, também, e nenhum parece com
esses).
Há também pseudohinduistas, que
sem perceber incorrem no maior ego de todos: o de se achar livre do ego. Dizem
eles: "eu aniquilei o ego e estou unido ao Todo... e você, mundano,
não". : Ora, que todo é esse que não inclui tudo? Podemos no máximo
remover a ilusão de que SOMOS aquilo que ESTAMOS, mas sem criar a ilusão maior
de achar que já ESTAMOS aquilo que SOMOS. Além do mais, é uma vingança irônica
do ego: quem se afirma "sem ego" no fundo acredita ser maior que os
demais. Ou não se definiu adequadamente o que seja ego, ou - com todo respeito
- não se tem a menor ideia do que estão falando. Não ter ego equivale a psicotizar,
inclui delírios e alucinações, e exige medicamentos sob pena de (constatados)
danos à estrutura cerebral. Perda cognitiva não é iluminação.
O ego é quem ouve o acreditamos ser certo e
errado, e toma seus julgamentos e decisões. Se um iogue sem ego preferiu ouvir
seus conceitos espiritualistas aos seus desejos, quem fez isso foi seu ego. Se
um vegetariano brahmacharia sem ego deixar de comer carne ou fazer sexo, quem
optou por isso foi seu ego. E essas escolhas se dão na mente que o tal iogue
disse que abandonou.
O Wagner Borges costuma contar em
palestras que um iogue passou toda sua vida meditando para conseguir parar
todos os pensamentos da mente. Com muita disciplina, um dia chegou lá, e feliz,
PENSOU: "Consegui!".
Há quem pense que "matar o ego" é
apenas viver sem máscaras, mas até isso é impossível: a persona tem sua função,
sem ela não há socialização. Mais razoável seria conhecermos as máscaras que
precisamos usar.
Espíritas
também usam a expressão, em seu crescente sincretismo hinduísta. Mas aí fica
mais incoerente ainda, pois seus relatos mediúnicos sobre cidades astrais são
baseados justamente na manutenção do ego do lado de lá, até bem mais definido,
tanto nos que o usam para seguir as instruções do plano maior quanto nos
malévolos ou patológicos desencarnados.
Há quem diga que o ego é sempre o
dos outros. Em si, seu compromisso de "matar o ego" é sempre um
objetivo (bem) futuro, uma meta suave, uma espécie de noivado com o divino. Nos
outros, contudo, é um julgamento impiedoso daqueles que só o ego poderia fazer.
Numa repetição
"espiritualista" da posição esquizoparanóide de vários julgamentos
religiosos, o "ego" assume a função já ocupada pelo
"diabo"... e o possuído é sempre o próximo, o que tira a atenção do
observador, que assim se identifica com o "bem" não por trabalho
interno, mas pelo rotular e afastar de seus próprios aspectos sombrios
projetado nos outros. Se "o resto" aos meus olhos é "o
mal", sobra para mim - sem esforço - ser o bem. Se "os outros"
são "o mundo", só posso então ser "de Deus".
O sábio Ramakrishna resume bem este tipo de iogue,
antecipando em décadas a psicanálise: "Quem julga o ego é sempre um ego
maior". Ramakrishna também dizia que não podemos viver sem ego aqui, mas
que podemos transformá-lo em um ego servidor. Em outra passagem, pergunta o
objetivo de vida de seu maior discípulo, e ouve: "Ah, mestre, eu gostaria
de atingir o samadhi, deixar meu ego, fundir-me ao todo, e dissolver-me em
Deus"
Ao que o grande mestre ensina: "Não lhe
parece um objetivo muito EGOista, sabendo que há tanta gente precisando de
ajuda AQUI?"
Lázaro Freire
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