Ao ler o texto anterior sobre o sufismo e o ego, encontrei uma
correlação com dois assuntos que, apesar de não apresentarem uma ligação
verdadeiramente perceptível, apresentam características, no mínimo, intrigantes.
São correlações no meu campo de conexões amplas, que flutuam em imagens,
símbolos e percepções que entendem haver uma correspondência entre si, mesmo
que a minha consciência não a compreenda.
Na Umbanda, os Médiuns, julgados
em condições de incorporar ou receber os Orixás Menores, quando incorporados,
são chamados também cavalos, aparelhos, moleques, etc. Segundo a doutrina
umbandista ele é chamado de cavalo porque o médium é realmente o cavalo de que
se serve o cavaleiro (o guia, espírito ou orixá) para percorrer o caminho dessa
nova espécie de apostolado da mentira: ensinar aos filhos da Umbanda a
“vereda da luz”. Todo cavalo depois de domado, tem o seu cavaleiro; assim todo
o cavalo de Umbanda , depois de desenvolvido, tem seu guia seu cavaleiro de
Aruanda.
Umbanda
e os Quatro Caminhos para Deus
Texto de
Fernando Sepe, retirado do material de apoio do Curso Arquétipos da Umbanda,
oferecido pelo Instituto Cultural Aruanda.
Podemos dizer que, inspirados pela doutrina
hindu, quatro são os caminhos que levam a Deus: o conhecimento, o amor, a ação
e o exercício espiritual. Creio que esse tipo de consideração é de extrema
importância e possa ser utilizado como base para pensarmos o caminho umbandista.
Mas, primeiramente, apresentemos resumidamente esses quatro caminhos:
O CAMINHO DO CONHECIMENTO (jnana): é o
caminho do filósofo místico. Através do discernimento espiritual o Ser rompe a
ilusão da identificação com o eu ilusório (ego) e identifica-se com sua
natureza infinita, vasta e verdadeira. O Deus pessoal se torna impessoal e o
praticante se reconhece Nele.
O CAMINHO DO AMOR (bhakti): é devocional.
Devota-se a uma divindade pessoal, com tanto amor, que se perde o ego nessa
imensa louvação. Ama-se Deus acima de tudo e todos os nossos outros amores são
frutos desse amor primordial. Aqui, Deus é pessoal e o praticante não tem a
intenção de se fundir nele, mas sim de viver nesse amor, o que é
tradicionalmente representado da seguinte forma: “quero sentir o doce do
açúcar, não ser o açúcar”.
O CAMINHO DA AÇÃO (karma): é aquele onde o
ser atua no mundo, trabalha e realiza, mas desapega-se do fruto de seu
trabalho. Basicamente, essa prática “mata o ego de fome”, utilizando-o para
viver bem colocado no mundo, mas recusando todo fruto e benefício pessoal
adquirido. É o caminho da caridade.
O último CAMINHO É O DO EXERCÍCIO ESPIRITUAL
(raja): do empirismo místico. Nele, praticam-se exercícios espirituais tendo o
objetivo de ir além da mente racional e do nosso eu pessoal, conhecendo,
integrando e vivendo nosso eu transpessoal ou divino. O exercício espiritual
pode ser bem exemplificado com a prática da yoga, o zazen, a prece
contemplativa do cristianismo, a dança dervixe sufi etc. Esse caminho trespassa
pelos outros três.
Bom, mas o que isso tem a ver com Umbanda?
Tudo! Vejamos a palavra de seu fundador, o senhor caboclo das Sete
Encruzilhadas: “Umbanda é amor e caridade”. Ora, o que aqui ele nos diz
claramente é: a Umbanda é uma religião baseada em uma síntese do caminho da
devoção (amor) com o caminho da caridade (ação). Simples, muito simples. Mas,
apesar dessas palavras serem muito conhecidas dentro da Umbanda, poucos
realmente entendem com profundidade o que elas representam. Tentarei ser o mais
claro possível a esse respeito. Peguemos os grandes representantes da Umbanda,
seus verdadeiros mestres. Falo, claro, dos caboclos e pretos-velhos. Toda
prática espiritual deles é baseada nesses dois princípios: amor (devoção) e
caridade (ação). Devoção ao Orixá a quem
respondem, ao ponto de não trabalharem nunca com seus nomes pessoais (símbolo
do ego), mas sim, com nomes simbólicos, pois se sentem e atuam unidos pelo amor
do Orixá. Um guia dentro da Umbanda realiza o trabalho pelo Orixá, com a
consciência do Orixá, no axé [força sagrada] do Orixá. É um devoto como os
médiuns também são.
Caridade, ou ação, é a palavra de ordem e por
isso dizemos que o guia vem trabalhar. E nesse trabalho eles não recebem nada
em troca, ou talvez até recebam, mas isso pouco ou nada importa. E quando os
agradecemos, as palavras normalmente escutadas são: “agradece a Deus, filho;
nêgo apenas cumpre sua obrigação”; ou ainda um simples sorriso sereno.
O que eu gostaria de chamar atenção é para o
fato de que se os guias espirituais são mestres ou caminhantes espirituais, a
maioria dos médiuns não o é! Simplesmente, temos um déficit muito grande do
entendimento real que se deve ter ao se dedicar à disciplina umbandista. Em
última análise, a Umbanda deveria ser um caminho para que seus praticantes se
tornassem como os caboclos e pretos-velhos. Sim, a Umbanda é uma religião de transformação e essa transformação
deve ser calcada no exemplo deles. Só então o caminho se abre para o médium,
para que ele realmente entenda os fundamentos, princípios e objetivos mais
importantes de sua prática.
Vejamos: A
caridade do trabalho mediúnico deve ser utilizada para “matar o ego de fome”.
De grande auxílio é a indiferença ou a ingratidão daquelas pessoas as quais
seus guias tanto ajudaram. Elas te ensinam a única coisa importante desse
caminho: Trabalhar e agir, simplesmente. Sem a prensa da eficiência, sem o
apego aos frutos. Os frutos são sempre dos Orixás.
Agir não apenas no terreiro, mas no mundo.
Ética e moralidade são pressupostos básicos dentro de qualquer religião.
Desapego também. Caridade é agir desinteressadamente no terreiro, na empresa
onde você trabalha ou em qualquer lugar do mundo. É um estado de ser. Leve isso
para onde você for. Não se esqueça: um caboclo ou preto-velho se comporta da mesma
forma em seu terreiro, em sua casa, ou no terreiro do amigo, pois essa é a
natureza dele, seu estado de espírito constante.
“O
caminho da magia é como andar sobre uma navalha”. O velho axioma hermético
alerta-nos sobre o perigo do ego. A magia não é um fim, apenas um meio. Além
disso, o que o ego pode fazer por si? A
prática magística verdadeira derivaria de um estado de consciência maior, onde
o Todo-Orixá age, não o eu relativo. Na
Umbanda, a magia deve ter como mestre e condutora a noção de ação desapegada,
ou não ação.
Deve-se
aprender a amar e louvar os Orixás de coração. A dor, as perdas e dificuldades
podem ajudar a despertar esse amor. Porém, não faça do Orixá uma entidade
superior com a qual você barganha favores e pedidos. Essa é apenas a fase
inicial. Quando o amor verdadeiro surgir, o Orixá transforma-se em seu amante,
em seu irmão, em seu melhor amigo, ou seu pai/mãe infinitamente bondoso. O médium em seus cantos, giras, firmezas,
trabalhos e manifestações deve aprender a sentir a unidade no amor do Orixá.
Sua natureza infinita, vasta, original. Orixá é Deus manifestado. Mergulhe,
experimente, dance junto Deles. Quando isso acontece o médium finalmente
entende o que é o Orixá.
Leve o bem amado por onde for. Não apenas no
terreiro, pois se apaixonar pelos Orixás é se apaixonar pela Vida. Viva Neles,
por Eles e com Eles. Perca-se e se ache Neles. Chore e sorria com Eles. Durma,
acorde e se alimente Deles. Esse é o ideal de devoção. Um amor sutil como os
lírios de Oxum, mas forte e determinado como os olhos de Ogum.
DOIS ALERTAS: Cuidado com o fanatismo e principalmente com o erro de
confundir a realidade infinita com seus símbolos. Os rituais, oferendas,
imagens etc. não são fins últimos. Eles são apenas trampolins para a realidade
que não é tangível. Potencializadores do axé, mas não o próprio axé. Como diz a
conhecida oração: “Deus, perdoa três pecados que se devem às minhas limitações
humanas; Tu estás em toda parte, mas eu Te adoro aqui neste templo; Tu não tens
forma, mas eu Te adoro nestas formas; Tu não precisas de louvor, mas eu te
ofereço estas preces e louvores. Senhor, perdoa três pecados que se devem às
minhas limitações humanas”.
Creio que essa rápida e superficial
introdução ao assunto já dá aos umbandistas uma ideia do comprometimento real
que a Umbanda espera de seu praticante. Literalmente, ela funciona como uma
escola que tem como objetivo fazer com que os médiuns alcancem as qualidades
morais e éticas dos caboclos e pretos-velhos, assim como sua lucidez e
iluminação espiritual. Com isso, a
compaixão surge e o caminho deixa de ser um fim, para ser o começo do trabalho
incansável de auxílio a todos os seres sencientes desse ou de outros mundos e
planos de manifestação. Porém, para tanto, deve-se refletir e praticar aquilo
que é o objetivo da Umbanda – amor e caridade – ou: união mística amorosa com
Deus através de suas manifestações Orixás e trabalho desapegado. É assim
que um caboclo ou preto-velho nasce.
É por isso que um caboclo e preto-velho vive…
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