domingo, 17 de fevereiro de 2013

020 - o que é ego segundo lamaísmo

O ego segundo o budismo tibetano.
“Uma das maneiras de olhar a natureza da existência é a partir do ponto de vista de nossa própria percepção, da maneira como experimentamos o mundo individual que cada um de nós habita. Todos os fenômenos que aparentam existir fora de nós estão também contidos dentro deste mundo, porque a nossa experiência real deles somente existe dentro de nossas mentes, intermediada pelos sentidos.

A palavra dharma tem o sentido básico de manter e apoiar. Seu uso primário é para transmitir as ideias de lei, religião e dever que preservam a sociedade humana e são preservados por ela em uma relação recíproca; em um nível pessoal, significa o papel especial na vida que cada ser vivente nasceu para realizar — a verdade interior da pessoa, a lei pela qual alguém vive. Pode também significar a natureza inerente da qualidade de qualquer coisa, a lei que determina exatamente o que cada coisa é e faz. Assim como o dharma de um rei é reinar o dharma do fogo é queimar. Nesse sentido , existem inúmeros dharmas, as leis fundamentais de tudo que existe. Entre eles, certos elementos físicos e psicológicos em particular foram identificados no budismo como estando na raiz de nossa maneira de perceber o mundo.

A ligação entre dharma e os dharmas é a própria ideia de lei interior e verdade. O dharma ensinado pelo Buda revela a verdade sobre a existência, a lei final da vida. Dharma, a verdade em si, manifesta-se espontaneamente como os muitos dharmas, as realidades fragmentadas da existência relativa, temporária. Eles tomam muitas formas, aparecem e desaparecem, ainda assim , em essência, nunca foram além da verdade.

No budismo, o mundo externo nunca é considerado separado do observador. Só podemos conhecer o mundo como o experimentamos . O universo físico certamente não é ignorado, mas é sempre tratado como indivisivelmente  ligado com o mundo interior da consciência. Portanto, na análise budista, ele é representado por somente cinco dharmas: o campo dos cinco sentidos. Todos os fenômenos materiais são definidos pelo fato de que podem ser vistos, ouvidos, farejados, saboreados ou tocados. [ver SUTRA do CORAÇÃO] Se não fossem perceptíveis pelos sentidos, não saberíamos nada sobre eles, e o que quer venhamos a conhecer chega até nós somente por meio dos sentidos. Todos os outros dharmas estão envolvidos com os processos de percepção e consciência,  e com estados psicológicos. Esses estados mentais condicionam a maneira pela qual experimentamos o mundo, de tal forma que mente e corpo, interior e exterior, nunca podem ser separados. O sistema de dharmas descreve a existência, não de uma forma teórica, mas como ela é realmente vivida por seres conscientes de momento a momento.

Os dharmas são uma ferramenta para análise, de forma a observar como o sentido de ser surge a partir de uma combinação de muitos fatores diferentes e como evolui e se perpetua, embora não tenha uma realidade independente própria. Nesse método de análise, todos os dharmas são agrupados em cinco categorias, que são os “cinco skandhas”: forma, sentimento, percepção, condicionamento e consciência.

A palavra sânscrita Skandha tem um duplo significado: pode indicar um grupo composto de unidades menores ou uma única unidade que faz parte de um grupo maior, como uma divisão de exército que contém muitos soldados, mas é parte de uma força muito maior. Tradicionalmente em seu uso budista , a ênfase era no primeiro sentido, a ideia de que cada skandha é composto de um grupo de dharmas.

O sistema dos skandhas demonstra como eles se combinam para produzir a ilusão de um ser, e ainda assim esse ser não tem base na realidade. Embora sejamos tão completamente apegados a ele, tudo o que somos e tudo o que experimentamos pode ser explicado perfeitamente sem ele. Trungpa Rinpoche descreveu os cinco skandhas como o processo das cinco etapas do desenvolvimento do ego.


[1º Skandha – Criação da Ignorância-Forma, três aspectos ou fases diferentes que podemos examinar empregando outra metáfora. Suponhamos que, no princípio, haja uma planície aberta sem montanhas nem árvores, uma terra completamente aberta, um simples deserto sem nenhuma característica especial. Eis aí como somos, o que somos. Somos simples e básicos. E, todavia, há um Sol que brilha, uma Lua que brilha, e haverá luzes e cores, a textura do deserto. Haverá alguma sensação da energia que brinca entre o Céu e a Terra. E, assim por diante, indefinidamente. Depois, estranhamente, surge de improviso, alguém para notar tudo isso. Como se um dos grãos da areia espichasse o pescoço para fora e principiasse a olhar à sua volta. Nós somos o grão de areia, chegando a conclusão do nosso estado de separação. Este é o “Nascimento da Ignorância” em seu primeiro estágio, uma espécie de reação química. A dualidade começou.


A segunda fase da Forma-Ignorância dá-se o nome de “A Ignorância Nascida no Interior”. Tendo reparado que somos isolados, sobrevém a sensação de que sempre fomos assim. É uma inépcia, o instinto da constrangedora consciência e si mesmo.


O terceiro tipo é a “Ignorância que se Observa”, que se vigia. Há um sentido de nos vermos como objeto externo, o que conduz à primeira noção do “outro”. Estamos começando a relacionar-se com um mundo chamado “externo”. É por isso que os três estágios da ignorância constituem o Skandha da Forma-Ignorância; estamos começando a criar o mundo das formas. 2º Skandha – Sensação, como mecanismo de defesa para proteger a nossa ignorância. Desde que já ignoramos o espaço aberto, gostaríamos de sentir as qualidades do espaço sólido a fim de trazer completa satisfação à índole gananciosa que estamos desenvolvendo. Nós solidificamos todo o espaço e transformamos no “outro”.


3º Skandha – Percepção-Impulso, passamos a nos fascinar pela nossa própria criação, cores e as energias estáticas, queremos nos relacionar com elas e, dessa maneira, gradativamente, principiamos a investigá-las. São esses os três tipos de impulso: ódio, desejo e estupidez. Assim sendo, a percepção se refere à recepção de informações do mundo exterior e o impulso se refere à nossa resposta a essas informações.


4º Skandha – Conceito; A fim de proteger-nos e enganar-nos completa e adequadamente, precisamos do intelecto, da capacidade de nomear e categorizar as coisas. Assim rotulamos coisas e eventos qualificando-os “bons”, “maus”, “belos”, “feios”, etc., de acordo com o impulso que julgamos apropriados a eles. O “eu” é o produto do intelecto, o rótulo que unifica num todo o desenvolvimento desorganizado e disperso do ego.


5º Skandha – Consciência; Nesse nível se processa uma amálgama: a inteligência intuitiva do Segundo Skandha, a energia do Terceiro Skandha e a intelectualização do Quarto Skandha se misturam para produzir pensamentos e emoções. Nessas condições, no nível do Quinto Skandha, encontramos os Seis Reinos assim como padrões incontroláveis e ilógicos do pensamento discursivo. Esse é o retrato completo do ego. Além do materialismo Espiritual, Lama Chogyan Trungpa.]


Cada um de nós pensa em si como uma personalidade única, unificada, mas, se examinarmos nossa experiência cuidadosamente, verificamos que nossos pensamentos e sentimentos estão mudando todo o tempo, em um momento estou feliz, no momento seguinte sinto-me contrariada ou zangada, depois já esqueço por um novo interesse. Se uma parte de meu corpo está doendo, então sinto que não sou nada além de dor. Em outras palavras, o “eu” está mudando continuamente. Não existe um encadeamento consciente unificador que perpasse todos os diferentes pensamentos e sentimentos. Somos uma corrente interminável de estados psicológicos momentâneos e interconectados . É assim que uma pessoa é vista no budismo. Em vez de um ser fixo, existe um fluir contínuo de momentos de consciência, que é chamado de continuum mental ou corrente mental. Os dharmas são partículas temporárias de experiência, como gotas de água que fazem a corrente fluir, enquanto os skandhas podem ser vistos como os padrões presentes na corrente.

O primeiro passo em direção ao despertar é superar nossa visão ordinária, de senso comum de nós mesmos como seres reais, sólidos e permanentes. Investigar as unidades básicas da existência mina a solidez do nosso mundo. Aquilo que chamamos “corpo” — ou uma mesa, uma árvore, ou qualquer coisa que seja — são apenas nomes, termos convencionais; são na verdade somente coleções de dharmas, surgindo e decaindo novamente, combinando-se temporariamente de acordo com as circunstâncias. Desse ponto de vista os dharmas são reais; eles são as realidades últimas, porque são o que realmente experimentamos. É o “ser” que é irreal, apenas uma construção da mente.

A segunda fase é revelado que os próprios dharmas são vazios de qualquer existência independente ou de natureza inerente própria. Nesse estágio, a meditação se expande para além da área da própria falta de substancialidade individual para compreender a natureza onírica do universo inteiro. Essa compreensão quebra a barreira da dualidade do ser e do outro, e estimula o amor e a compaixão por todos os seres viventes, que estão sofrendo desnecessariamente por causa de sua confusão a respeito da existência. Não é mais necessário para o meditante se concentrar em identificar os dharmas separados como um antídoto para o sentido do ego. Ao contrário, com pelo menos uma experiência básica de sua ausência, existe mais ênfase em entender o processo pelo qual nossa experiência de vida baseada no ego é continuamente construída e mantida pelos cinco skandhas, e em ser vista através de sua aparente realidade.

Finalmente, o ensinamento da terceira  fase revela que a compreensão do vazio não é nenhuma outra senão a da natureza de Buda. A ausência de um ser limitado, individual, “não é o nada”, mas a experiência da presença desperta. É o grande ser, puro desde o início. A potencialidade para a iluminação existe dentro de cada um de nós, como uma natureza verdadeira, original. Nosso estado desperto fundamental nunca foi diminuído ou destruído, apenas obscurecido pela ignorância. Mas de onde surgiu a ignorância? Ela surgiu daquele próprio estado básico, assim como uma ilusão. Toda a elaborada estrutura do “ego” e do mundo samsárico de alguma forma se desenvolveu sem qualquer realidade própria, como em um sonho”. Vazio Luminoso. Francesca Fremantle.


Nenhum comentário:

Postar um comentário