sexta-feira, 1 de março de 2013

031 - o que é ego segundo hinduísmo


A estruturação do psiquismo segundo o Hinduísmo

 “Quem sou eu?” é, sem dúvida, a pergunta mais importante do universo humano. E é claro, “De onde vim e para onde vou?”, “Quem é Deus?”, e tantas outras perguntas do mesmo teor, vêm na sequência. E em toda a história da Humanidade, o homem mergulhou intensamente na busca desta resposta. Para tanto, criou inúmeras religiões, filosofias, ciências e psicologias, sempre na ânsia ancestral e atávica, de desvendar aquilo que os índios norte-americanos chamam de “O Grande Mistério”.

 A ideia central das culturas orientais e xamânicas – a Unidade – traz o conceito de que tudo é Um, o Universo é um único organismo consciente e totalmente interagente, e que toda a percepção e sensação de separatividade é uma ilusão (maya). Os hindus chegam a dizer que a única doença de que nós  realmente sofremos – todas as outras (físicas e psíquicas) são um desdobramento desta – é avidya, a ignorância da nossa natureza real, a Unidade. E é assim que nós nos sentimos: totalmente cindidos, fragmentados. Tanto externamente – nos sentimos separados de cada semelhante, da Natureza e do que acreditamos que seja Deus; quanto internamente – corpo, cabeça e coração raramente se alinham.

 Na tarefa humana de caminhar para a Luz, em primeiro lugar é importante perceber que quando trabalhamos conosco ou com outra pessoa, estamos fundamentalmente lidando com as duas instâncias mais externas da personalidade - a autoimagem e  a persona – que são construções psicoemocionais limitadoras desenvolvidas por nós (inconscientemente, na maior parte do tempo) paradoxalmente para nos defender. A autoimagem é “quem eu acredito que eu sou”. É um sistema de crenças que nós artificialmente construímos como proteção em função das nossas experiências dolorosas, e que nos dão uma imagem e uma perspectiva de nós mesmos, que na maior parte das vezes nós sentimos como muito desfavorável, ou ao contrário (mas pela mesma defesa), o ego infla e a pessoa se sente exageradamente o máximo. A persona é  “quem eu quero que acreditem que eu sou”. São as nossas máscaras sociais filhas da autoimagem, e que procuram compensar esta.

 E a autoimagem e a persona são competente e eficientemente fomentadas, mantidas e monitoradas pela mente e pelo ego. A autoimagem e a persona são componentes importantíssimos na construção da nossa visão de mundo, a chamada “realidade” (que é o que nós acreditamos que a vida é). Outro movimento do psiquismo -  que foi percebido por S. Freud bem no início da estruturação da Psicanálise - são as pulsões da  busca do prazer e da evitação da dor. E todo o complexo psicoemocional trabalha neste sentido: o de nos manter afastados do contato com a dor.

 Na infância, quando passamos por experiências traumáticas, estas impressões são “escondidas” no inconsciente. A intenção é que não tenhamos que estar sempre entrando em contato com nossas dores (ou do que a mente acredita serem dores), pois seria insuportável viver assim, lembrando o tempo todo de tudo o que de ruim nos aconteceu. O problema é que estas dores continuam vivas no inconsciente, produzindo ao longo do tempo um sistema de crenças e padrões que irá contribuir decisivamente na formação do caráter e da personalidade, e também na somatização de doenças físicas, psicoemocionais ou sociais. Ou seja, paradoxalmente , o mesmo procedimento interno que trabalha para nos proteger, nos limita e nos sabota.

 Vamos pegar emprestada aqui, um pouco da Psicologia Hindu para nos dar um subsídio filosófico: Em primeiro lugar, se tanto as tradições orientais quanto as xamânicas dizem que somos seres multidimensionais, isto quer dizer que existimos simultaneamente em infinitos níveis, certo? Na filosofia hindu, temos duas formas de codificar as dimensões do ser humano: uma trina (os Shariras, ou corpos) mais usada pelo Yoga e outra quíntupla (os Koshas, ou envoltórios) mais usada pela Vedanta. São apenas divisões de caráter didático, já que estas dimensões não são lineares e tridimensionais, são holográficas.

Os Shariras, ou corpos, são 3: o Sthula Sharira ou corpo denso (o corpo físico), o Sukshma Sharira ou corpo sutil  (o corpo de energia, o corpo emocional e o corpo mental) e Karana Sharira ou corpo causal.

 Karana Sharira se chama corpo causal porque é nesse nível  onde se localiza a causa da ignorância (avidya). Mas é também neste nível que se localiza a visão da Águia, da Testemunha, e que acontecem as canalizações e as conexões mediúnicas. E este também é o nível que faz a “interface” do estado de consciência separada com o estado da Unidade Absoluta (Nirvana, Samadhi, Moksha, Satori).

 Os Koshas, são chamados de envoltórios (ou bainhas), porque são as camadas que ilusoriamente prendem e condicionam o Espírito. São cinco:
Annamaya kosha, ou corpo físico; Pranamaya kosha, o corpo de energia (onde normalmente atua a Acupuntura, a Homeopatia, a Cromoterapia, o Reiki, etc. e que os esoteristas chamam de duplo-etérico e os espíritas de perispírito). Neste nível circulam as Pranavaha Nadis (condutos energéticos que transportam o Prana); Manomaya kosha, o corpo psicoemocional. Neste nível circulam as Manovaha Nadis (condutos de energia que transportam Ojas, a energia mental. Ojas é a quintessência energética extraída dos alimentos pelos Dhatus – os 7 tecidos corporais); Vijñanamaya kosha, o corpo psíquico e; Anandamaya kosha, o corpo psicoespiritual.

Vijñanamaya Kosha é onde opera o discernimento, a capacidade de se escolher e discriminar entre o que é real ou irreal. Assim como o Karana Sharira, Anandamaya kosha é a ponte, o degrau para o estado da Unidade.

 O Sthula Sharira (bem como sua correspondente Annamaya Kosha) está relacionado a Guna Tamas; o Sukshma Sharira (Prananamaya, Mano Maya e Vijñanamaya Kosha) está relacionado a Guna Rajas; e Karana Sharira (Anandamaya Kosha) a Guna Sattwa.  O complexo psíquico (que os hindus chamam de Antahkarana, ou órgão interno) é formado por:

 1. Buddhi, é a parte mais elevada da mente. Num primeiro nível, Buddhi  trabalha com o discernimento, as escolhas e as opções. Desde as escolhas inconscientes - como, por exemplo, as que faz o sistema nervoso autônomo - passando pelas opções e escolhas conscientes do dia-a-dia, até a mais elevada das formas de discernimento que é o questionamento sobre o que é real e o que é irreal na existência (que é o que os hindus chamam de Viveka). Em um nível mais elevado de atuação, Buddhi é  a mente testemunha (a visão da águia), o nível da meditação e da neutralidade, onde não há julgamento. O Buddhi atua no nível de Karana Sharira e Vijñanamaya kosha. Abarca também o inconsciente. O trabalho da mente com os Guardiões e os Mantras no Fogo Sagrado, ocorre neste nível.

2. Manas é a mente pensadora. Administra os estímulos que vem através da aferência dos sentidos (Jñana Indriyas)  e da atividade da memória (Chitt , conteúdos do consciente e do inconsciente), administra as escolhas e opções de Buddhi, e  produz os Vrittis (pensamentos, movimentos mentais, mente racional) e as respostas psicomotoras (Vasanas) através dos Karma Indriyas (órgãos de ação).

3. Ahamkara, o ego. Trabalha em dobradinha com Manas na função de se manter a identificação da Consciência com o estado ilusório de separatividade (maya). O ego e a mente mantém a Consciência ilusoriamente identificada com sua personalidade (que poderíamos chamar aqui de autoimagem/persona ou Corpos Energéticos ou ainda vrittis/samskaras/vasanas) e com as Gunas, os movimentos impermanentes da vida. E como este “órgão interno“ trabalha ? Quando os nossos sentidos apreendem algum objeto, informação ou estímulo, dois mecanismos disparam automaticamente: o corpo mental associa um nome (nama) e uma forma (rupa) e o corpo emocional avalia se aquele determinado objeto me atrai (raga) ou se eu o rejeito (dwesha) – bem no estilo das pulsões “busca do prazer evitação da dor” freudianas.  

 Em outras palavras  os sentidos captam, a mente e o emocional enquadram e o ego identifica com eu/meu.

Assim enquadramos toda a realidade Una em pequenas unidades ilusoriamente  separadas,  mantemos a ignorância da nossa natureza real, e ficamos vivendo aprisionados em uma realidade construída por nós mesmos. Se o estímulo ou informação que recebemos através dos sentidos (jñana indriyas) é alguma coisa muito forte e traumatizante, ou se por outro lado, são estímulos ou informações que se repetem com periodicidade, isto vai imprimir samskaras (impressões psicoemocionais) no  inconsciente, que vão por sua vez produzir vasanas (crenças, hábitos, tendências e padrões) e vrittis (movimentos da mente, pensamentos, atividade racional).
Algumas imagens:

1. Imagine que o seu complexo psíquico é um lago: o  reservatório em si é a mente (Manas); o conteúdo – a água – é Chitta, a memória consciente e inconsciente; o fundo do lago é o Ser, a Unidade coberta pela “poeira” de Chitta que forma “bancos de areia” (samskaras) em função dos movimentos internos e da superfície (vrittis); por sua vez, os movimentos ondulatórios da superfície são os Vrittis  (pensamentos, atividade racional) cujos padrões são produzidos pelo perfil topográfico do fundo (samskaras). Quanto mais nivelado e liso estiver o fundo, mais tranquilas serão as águas da superfície.

2. Uma carruagem:  Buddhi é o condutor, Manas são as rédeas, Ahamkara é a carruagem e os cavalos são os sentidos (indriyas).

3. Estou em um campo e de repente vejo um touro enfurecido correndo em minha direção: os jñana indriyas captam a imagem , Manas processa a informação (“vendo um touro correndo”), Ahamkara identifica com o eu (“eu estou vendo um touro”), Buddhi faz as escolhas (“eu estou vendo um touro, que vai me pegar. Tenho que correr”), e os Karma Indriyas executam a ação.

Ernani Fornari (Dharmendra)

http://www.geocities.com/yogaterapia/

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