Em
1985, eu estava morando em uma casa alugada em uma ilha no Caribe lecionando
numa escola de medicina. Eram duas horas da manhã e eu estava revendo todas as
anotações sobre biologia, química e física a respeito da membrana celular que
tinha feito nos últimos anos, em uma tentativa de encontrar uma ligação entre
elas que me revelasse seu funcionamento. Foi então que um momento de vislumbre me transformou por completo, não em um cristal
resultante de misturas hipersaturadas de laboratório, mas em um biólogo
consciente do funcionamento da
membrana que não tinha mais desculpas para não assumir o controle da
própria vida.
Naquele
instante, redefini toda a minha compreensão do funcionamento da organização
estrutural da membrana. Comecei a visualizar todo o processo desde as moléculas
fosfolipídicas em formato de pirulito, organizadas como soldados enfileirados
em um desfile. Por definição, estruturas cujas moléculas se organizam em
padrões regulares e repetidos são cristais. Há dois tipos básicos de cristal: o
primeiro é o mineral, como os diamantes, rubis e até mesmo o sal; o segundo tem
estrutura mais fluida embora suas moléculas tenham o mesmo padrão organizado.
Um exemplo bem conhecido é o do cristal líquido dos relógios digitais e das
telas de laptops.
Para
explicar melhor o conceito de cristal líquido, vamos usar novamente o exemplo
dos soldados em uma parada militar. Ao virar em uma esquina, os soldados mantêm
a estrutura e o ritmo do regimento mesmo que tenham de passar enfileirados, um
a um. Movimentam-se como as moléculas do cristal líquido, sem perder a
organização. As moléculas fosfolipídicas da membrana seguem o mesmo padrão. Sua
organização fluida e cristalina permite flexibilidade de movimentos e de
formato, porém sem perder a integração da estrutura, qualidade essencial para
que a barreira interna se mantenha intacta. Portanto, para definir claramente a
membrana, fiz a seguinte anotação: "A
membrana é um cristal líquido".
Comecei
então a associar o fato de que uma membrana que contivesse apenas fosfolipídios
seria como o sanduíche de pão com manteiga sem as azeitonas [as azeitonas
furadas são como canais entre o meio externo e interno da célula e a manteiga a
própria membrana impermeável]. O corante não conseguiria atravessar a barreira
de manteiga. Um sanduíche desse tipo não seria um condutor. No entanto, se
adicionássemos as "azeitonas" de PIMs, poderíamos observar que a
membrana é condutora de determinadas substâncias, mas impede a passagem de
outras. Adicionei então outro comentário: "A
membrana é um semicondutor".
Por
fim, adicionei uma descrição dos dois tipos mais comuns de PIM [azeitonas], as
receptoras e as executoras, chamadas de canais porque permitem às células
receber nutrientes importantes e expelir dejetos. E já estava para fazer a
anotação de que as membranas contêm "receptores e canais" quando
outra imagem me veio à mente: a de uma porta. Então, completei a descrição com
a frase "as membranas contêm portas
e canais".
Reli
então a frase inteira: "A membrana
é um semicondutor de cristal líquido com portas e canais".
O
que me surpreendeu foi o fato de saber que tinha lido ou ouvido aquela mesma
frase em algum lugar, mas não me lembrava onde. Só tinha certeza de que a frase
que tinha ouvido não estava ligada à biologia.
Quando
me reclinei na cadeira, a primeira coisa que me chamou a atenção foi meu novo
Macintosh que estava sobre a mesa, meu primeiro computador. Ao lado dele estava
um exemplar de capa vermelha do livro Understanding
your microprocessor [Entenda seu microprocessador] que eu havia comprado em
uma loja. Peguei o livro, comecei a folhear e encontrei, na introdução, a definição de um chip de computador:
"Um chip é um semicondutor de cristal com portas e canais".
Fiquei
ali parado, impressionado com a ideia de que um chip e a membrana de uma célula
podem ter a mesma definição técnica. Passei mais alguns minutos, mergulhado no
livro, lendo e comparando biomembranas e semicondutores de silício. Fiquei
ainda mais impressionado ao perceber que não se tratava de mera coincidência. A
membrana celular tem realmente estrutura e funções equivalentes (homólogas) às
de um chip de silício.
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