sexta-feira, 27 de setembro de 2013

destino



Por que não falamos um pouquinho sobre o destino? Não deste que sempre tenta acabar com os planos do Quarteto Fantástico, mas de um destino que é tão fantástico que poderia ser coisa de HQ. E nem sempre Tiago está tão espirituoso a ponto de falar de assuntos, digamos, sérios com este toque de humor. O uso de parábolas é por conta dele, porém admito que se não fosse por ele me conhecer tão bem - acho que ele pensa que eu sou um idiota - diria que está brincando comigo. Por isso o tom - de sadismo. 


A vida é como esta estrada.

Supus. ― Pré-definida?! Destino.

“Se assim fosse, todos os planos e esforços para a melhora ou progresso seriam em vão e à humanidade não restariam esperanças. Tudo acontece ou se manifesta tendo por fonte uma série de causas e condições”. A vida não é o carro e nem o roteiro. Mesmo que siga pelo caminho do meio, o carro precisará de combustível – e até substituições. Seguir o caminho do meio exige muita disciplina para que os reabastecimentos sejam os menos prejudiciais para a viagem. E também implica que você conheça a estrada e seus desvios, retornos e paradas.


Com qual objetivo? ― As árvores da esplanada farfalharam ensurdecedoras.

Evitar acidentes é um deles. ― Tiago estava esquentando os motores. ― O caminho do meio não é como uma ideia do trajeto, descrita pelos que se consideram sábios. Nem Buda se atreveu a tanto, ele acreditava que somente conseguiria a Libertação após a morte, o Nirvana. 


E quem sabe o caminho?


Aqueles que têm consciência de todas as suas qualidades e defeitos. Que conhecem cada pedaço da estrada e conseguem criar o caminho do meio, isto é, o melhor traçado considerando as ferramentas à sua disposição.

Pedi tempo com as mãos em frenesi. ― Então não é a pista central? E de que ferramentas você está falando?

Hum. Pensam que alcançar o melhor traçado depende de evitar todos os problemas e isto é impossível. Mas minimizar já é outra história. Centrar-se em evitar os defeitos e deficiências em prol das virtudes e qualidades, os tornam incompletos. O que lhe aconteceria se o sofrimento, o ódio, a cobiça e demais tolices jamais fossem experimentadas? Como saber se é salgado se nunca experimentou o doce? ― Precisava ser mais específico. ― O desejo do sábio é conhecer e experimentar tudo para que domine os excessos.

E as ferramentas? ― Ainda estava pensando no controle dos excessos.

Existem várias, lembre-se nada é por acaso. Nem o tipo de asfalto, o pedágio, as placas. Estas últimas são as mais claras indicações de caminho. Quero dizer, nós as conhecemos por sonhos – e em casos extremos de presságio, premonição, cognição, vidência e etc. – e como eles não nos parecem tão óbvios como as placas de trânsito, costumamos ignorá-los. As sinalizações indicam as condições da estrada adiante. Preveem o futuro.

Entretanto existem outras ferramentas...

Tiago percebeu aonde eu queria chegar. ― Quando desejamos seguir o melhor traçado, muito planejamento reduz os riscos e prevê possíveis problemas de viagem. Este planejamento pode ser descrito pelo controle dos excessos, não é preciso correr para chegar a tempo no destino. Nesta viagem é certo que todos chegaremos ao final. Eu gosto de exemplificar que o planejamento é como um estudo do caminho que chega a ponto de antecipar as sinalizações. São sentimentos mais fortes do que um sonho poderia sugerir. É a matriz da mente inconsciente. O planejamento, quando bem executado, poderia fazer um cego dirigir.
E como eu percebo isto? ― Sabia a resposta, porém precisava saber como ela se encaixaria naquela fábula.

Se já decorou o traçado e não quer sofrer interferências que lhe prejudique o raciocínio, que não lhe tire a concentração, – porque homem não pergunta mesmo – você deve resolver os problemas assim que eles aparecem.

E como fica o destino? Pensei alto.


Não há destino, o livre-arbítrio pode indicar os caminhos, mas o destino sempre será um. Portanto ele é irrelevante. Quanto mais excessos são subjugados pela sua vontade, maior será o seu esclarecimento. 

Hã.― acho que não entendi.― Existe ou não existe destino?

Sim e não. Bem sabe que a ideia comum é que nos unamos a Deus, portanto este destino é imutável. Contudo temos objetivos, ou etapas, que são como um planejamento e se parecem muito com um destino. ― Tiago parou por uns instantes, e penso que ele percebeu que eu estava tentando dar outra designação à palavra destino. ― O destino que você compreende e aceita seria mais bem compreendido se fosse nomeado de desígnios. E eles variam conforme as mudanças de trajeto... É impossível manter um plano original, por isso é impossível produzir um destino.

Por quê?

Causas e condições que dependem de muitas e muitas variáveis. Não está sozinho na estrada, os outros carros podem e interferem nos seus desígnios, obrigando-o a tomar outros caminhos.

Como? ― como uma criança.

Tudo afeta os seus desígnios. Seu planejamento depende de suas respostas aos eventos não previstos – que é uma ilusão – e quanto mais experiências, melhor será o seu retorno ao plano original. Você está desconsiderando o mais importante.

O quê?


A estrada, o planejamento, o carro, as placas, a sua interação com os outros usuários desta estrada, – e até os atalhos que eu ainda não mencionei – não são importantes quando percebemos que eles são mecanismos que geram as experiências.

Quer dizer, conhecimento? ― generalizando como o certo.


Não, experiências. O conhecimento é intrínseco a todos os espíritos – ou almas.

Oportunamente começaram a surgir pessoas na cidade das sombras. Nós precisamos nos levantar para não sermos pisoteados. A minha imaginação estava se esfacelando e eu já não conseguia impedir as suas tentativas de me afastar daquele diálogo.

Tiago me olhou com compreensão. ― Teremos outras oportunidades.



Nenhum comentário:

Postar um comentário